Eram 8:45 da manhã, eu estava atrasado para o trabalho. Provava na própria pele a crença popular de que quanto mais próximo se mora do trabalho, mais atrasado se chega. De fato, quando morava a 40 km da empresa costumava ser um dos primeiros a chegar.

Escovei os dentes e peguei o celular, já preparando para responder alguns colegas de trabalho que enviaram mensagem desde mais cedo, enquanto olhava os e-mails que apareciam nas notificações que, só pelo assunto, já denunciavam que seria mais um dia daqueles. 

Coloquei a cápsula de café na máquina e enquanto esquentava, preparei a bolsa para ir à academia após o expediente. O emprego era dos sonhos antes de conquistá-lo, mas se tornou um pesadelo nos primeiros meses ao se desmanchar a ilusão que era amplamente vendida. Costumava pensar comigo  mesmo: “Estou indo para o Jiu-Jitsu, só vou dar uma passada no trabalho antes”.

A vida profissional ganhou uma relevância como nunca antes. Tudo parecia girar em torno do trabalho. O nível de exigência aumentava e tempo me era absorvido como o buraco negro atrai a luz para si. Sentia-me cansado, ansioso e uma voz interior quase diariamente me perguntava: “Você não acha que está deixando de lado a sua vida espiritual?”. Estava muito ocupado para dar-lhe a merecida atenção.

Peguei o meu café, sentei no sofá da sala e com o celular em mãos continuei falando com os colegas de trabalho e respondendo os e-mails, teria mais 10 minutos antes de correr para o escritório. Um barulho que vinha da proteção de plástico do ar condicionado do quarto chamou minha atenção. Era um som incomum, diferente do barulho da água que às vezes o vizinho de cima deixava cair quando regava as plantas. Era um lindo dia de sol, impossível ser o tamborilar da chuva sobre a superfície. 

Deixei o celular em cima do braço do sofá, levantei e fui ver o que era aquele barulho estranho. A cortina do quarto estava entreaberta e eu vi algo se movendo do lado de fora. Fiquei hipnotizado. Um falcão pousado na minha janela e olhando para mim. Ele me observou com olhos fixos que me fez sentir um arrepio no corpo inteiro. Acho que se passaram apenas poucos segundos, mas a experiência não era para ser medida pelos ponteiros do relógio. Não saberia expressar tudo o que se passou naqueles breves instantes. A familiar voz interior voltou a repetir: “Você precisa voltar a cuidar da sua espiritualidade”. Respondi mentalmente de forma afirmativa, sem dar mais desculpas, observando a contundência da orientação.

Saindo do estado místico que me encontrava, corri para pegar o celular a fim de registrar aquele momento único, queria poder mostrar para os outros aquele raro presente que a natureza havia me dado. O falcão ficou mais alguns segundos, parecia querer atender meu desejo inocente e se deixou fotografar para que se firmasse na minha consciência a recordação da mensagem que ele, como Hermes, veio me transmitir. Fiz dois registros, o que ficou mais bonito foi o que capturei-o com suas asas abertas levantando vôo e me deixando ali sozinho, em pé no quarto frente à janela, submerso em meus próprios pensamentos e refletindo sobre as prioridades da vida e os sinais que ela nos dá.

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